Apresentação do livro do Padre José Peixoto Lopes – Vivências
Devo começar por afirmar, alto e bom som, que me prezo de ter como amigo o Padre José Peixoto Lopes.
Tanto quanto o conheço, é um homem activo, dinâmico, enérgico, empreendedor, diligente, que tem tido artes para conseguir levar a água ao seu moinho em tudo o que se tem metido. Por isso merece o reconhecimento da população da cidade, na qual me incluo.
O actual pároco da cidade, há mais de 15 anos, nasceu na freguesia de Regadas, em 2 de Dezembro de 1945 e ingressou na Congregação do Espírito Santo, em 1966, fazendo a sua profissão solene em 1977.
Foi missionário em África. Partiu para aquele continente em 16 de Março de 1973 e missionou em Angola de 1973 a 1975, na missão de Cuando, na diocese de Nova Lisboa, onde ensinou nas escolas da Missão, dedicando-se a campanhas de promoção higiénica e sanitária junto das populações. De 1977 a 1980, foi pároco do Tarrafal, na ilha de S. Tiago, em Cabo Verde, célebre por ter sido o local de desterro de inúmeros opositores ao fascismo. Professor na Escola Preparatória da localidade, o Padre Peixoto Lopes desenvolveu a sua actividade apostólica junto dos jovens. Promoveu a reparação de igrejas e capelas numa terra pobre mas de gente colaboradora.
Foi ainda professor no Seminário de Fraião, nos anos de 1984 e 1985.
Desde 1992, é o pároco da cidade de Fafe, por morte do cónego Leite de Araújo. Além disso, teve responsabilidades como pároco nas paróquias de Medelo, Fornelos, Serafão e Agrela, entre outras. Foi Vice-Arcipreste de Fafe.
No exercício da sua actividade pastoral, na cidade, tem procurado renovar a catequese e dinamizar a pastoral juvenil. Conferiu claramente um novo estilo à pastoral paroquial, com maior abertura, maior descentralização, maior responsabilização dos leigos, enfim, maior colegialidade na orientação da vida cristã com todos os responsáveis. Por sua intervenção, foi adquirida a residência paroquial, restaurado o salão da Matriz, construídas a capela de Fiéis de Deus, as capelas mortuárias, a igreja da Granja, bem como, mais recentemente, a magnífica Igreja do Sagrado Coração de Jesus, em S. Jorge.
Na paróquia de Fafe, coordena ainda o jornal semanal Igreja Nova.
Não conseguindo conter-se no domínio do seu múnus espiritual, deu-lhe para ter uma doença que, felizmente, é comum em muitos de nós – ser poeta. Aliás essa doença está mais disseminada que o sarampo e por isso se diz que Portugal é um país de poetas – diagnóstico que está ainda por confirmar.
A Vida é Sagrada foi o título dado ao seu primeiro livro de poemas, editado pela Labirinto em 2005.
Na altura da sua apresentação, e como que sintetizando o seu sentir poético, o autor debitava:
A minha poesia é mensageira
Da minha alma cristã, branda e fagueira,
Simples, muito directa e sentida!
Sem pretensões balofas de escritor,
Mas com simplicidade e com amor,
Digo o sentir cristão da nossa vida!
Surge, agora, a sua segunda compilação de textos poéticos, com o título Vivências – uma denominação que foi conseguida por consenso entre o padre Lopes e o editor João Artur Pinto – e que pretende retratar o universo multifacetado e abrangente em que se tem desenrolado a vida e a obra do nosso padre-poeta.
Vivências integra 91 composições de temática diversa, sujeitas a rima, a grande maioria das quais (88) em forma de soneto, quer o clássico (decassílabo), quer, em número muito menor, o de sete sílabas, e até variantes de menor número de sílabas.
O Padre Peixoto Lopes passou-me para as mãos os textos para uma presuntiva obra poética a editar pela Labirinto e a liberdade de organizar o seu conteúdo da forma que entendesse mais conveniente. Uma responsabilidade acrescida, a que não quis fugir, apesar dos escolhos de tal tarefa.
Depois de ler todos os poemas, entendi organizar o livro em quatro núcleos temáticos fundamentais, embora a divisão possa seguir outras linhas, em função da subjectividade de cada um. Cada cabeça sua sentença.
O primeiro grupo intitula-se “Reino de Cristo” e nele se integram os poemas que falam de Deus, de Jesus, enfim, da divindade.
O segundo grupo tem por título “Loas à Virgem” e engloba um pequeno conjunto de cinco poemas cuja temática basilar radica na exaltação da Mãe de Deus, a Virgem Maria.
“Pecador me confesso” é um terceiro núcleo de poemas de matriz religiosa, onde perpassam as preocupações e os desabafos metafísicos do poeta, no seu diálogo e na sua relação com o Criador.
Finalmente, “Biográficas e coisas da vida” assume-se como um conjunto de versos relacionando episódios da vida de José Peixoto Lopes, da sua ligação à terra natal e às actividades a que se foi ligando, encaixando-se ainda aqui os poemas de carácter mais prosaico, diríamos, profano.
Pela poesia de José Peixoto Lopes perpassa, como indelével fio condutor, a temática religiosa. Nem outra coisa seria de esperar dos poemas elaborados por um membro da hierarquia cristã.
Este é, assim, um livro de sublimação do sentimento religioso de um poeta perante Deus. Uma autêntica paixão de Cristo. Ou por Cristo, que vem a dar no mesmo.
Algumas ideias transmitidas pelos poemas de Vivências:
Por exemplo, a de que o cristão é a imagem divina na Terra. A de que é preciso amar (quem ama é filho de Deus/ fala a linguagem dos Céus/ tem a vida verdadeira) e perdoar, até aos próprios inimigos, como caminho de acesso à salvação. Amar sem medida deverá ser a essência do cristão. Tal como o bem-fazer sem olhar a quem.
Outra ideia é de que Deus deve estar presente na vida de cada cristão. O segredo de uma vida feliz é ter Deus sempre no seu caminho. Viver sem Deus é que é um duro tormento. Longe Dele só há sofrimento e dor, ilusões e falsa alegria.
O poeta rebela-se, assim, contra uma das componentes mais fortes do mundo actual, a descristianização:
Nesta moderna cultura
Reina a mais vil ditadura
Dum homem sem coração (…)
Sem Deus, sem lei, sem razão!
Para o autor, obviamente, o conforto é crer em Deus:
É para mim tão simples, tão gostoso
Acreditar em Deus, Pai amoroso,
Que fala ao coração da criatura!
Outra ideia ainda é a de que Nossa Senhora é a intermediária, a pequena ponte que liga a Humanidade ao Redentor. A Mãe da Misericórdia e do Perdão. São belíssimos, de resto, os poemas que dedica a Nossa Senhora, a começar pelas formosas “Loas à Virgem”, que merecem uma leitura atenta.
O poeta pecador se confessa, revelando não ser tão santo quanto devia, também ter dúvidas e hesitações, pedindo assim perdão a Deus pelos seus defeitos e garantindo procurar ser melhor e mais justo. O poeta crê na vida eterna e na vitória do Céu sobre o Inferno.
Mas o poeta gosta da vida e das gentes simples, como ele sempre foi. É a natureza que o ensina, como ao Alberto Caeiro, não a educação livresca.
Humilde no berço,
Esperto na escola,
Devoto no terço,
Doido pela bola.
Este o retrato elementar de um homem do povo, afinal, que vem de uma terra modesta (Regadas), que ama e celebra. Um homem que nasceu de gentes pobres, mas honradas, que lhe ensinaram o rumo verdadeiro. Que recebeu ordens sagradas, para ser mensageiro do Evangelho. Depois, andou pelo mundo, por vocação, a semear a Boa Nova e voltou ao seu benquisto torrão natal. Um homem para quem todo o universo é a sua terra (minha aldeia é o mundo), e todo o homem seu irmão, cumprindo a essência cristã que é o seu múnus, o seu destino, a sua condenação.
Um homem despretensioso, elementar, simples. Que escreve versos francos, acessíveis, comuns. Com alma e coração virados para o semelhante.
A minha musa não será fadada
Para voos poéticos ingentes;
Estará certamente inclinada
Para versos directos e correntes!
Não que seja inimiga declarada
Das bonitas metáforas luzentes,
Linguagem snobmente complicada,
Que passa ao lado das mais simples gentes!
Gosta das coisas simples e modestas,
Das belas romarias e das festas
Do nosso povo alegre e brincalhão!
Segue seu fado suavemente triste,
Vibrando com o belo que existe
No fundo do seu meigo coração!
A poesia do Padre José Peixoto Lopes não terá a beleza das bonitas flores, e seus aromas puros e refrescantes. Mas mostra as preocupações mais inquietantes, os pensamentos, as certezas, ironias e valores que estruturam a vida do poeta.
Não me seduz a forma mais cuidada
Da minha escrita, simples, delicada,
Que em mim nasce espontânea e sentida…
Embora se auto-flagele pela simplicidade e lhaneza dos seus versos, o poeta não pode deixar de considerar que deixa publicadas autênticas pérolas da melhor literatura que se pode ler.
Por exemplo, o poema intitulado Uma flor:
Fui ao meu jardim
Buscar uma flor.
Não era p´ra mim,
Mas p´ra meu amor.
Colhi uma rosa
Linda, perfumada.
Coisa mais formosa
Para a minha amada.
Fiquei tão contente,
Minha boa gente;
Que grande alegria!
Para meu Senhor
Foi a minha flor.
E p´ra Ti, Maria
Ou outro belíssimo poema, titulado Menina da trança, pela sua tocante mensagem, pela singeleza e naturalidade dos versos que nos lega:
Menina de olhar tão puro
com sorriso de Esperança,
terás um grande futuro,
menina da linda trança!
Menina com ar maduro
de alegria e confiança
iluminas o escuro
deste mundo em mudança!
Tantos meninos da rua
têm uma vida crua
sem brilho no seu olhar!
Procura linda donzela
mostrar que a vida é bela
se a gente souber Amar!
Vivências apresenta-nos o poeta José Peixoto Lopes no seu melhor. Mais maduro, mais depurado, aparentemente mais simples. Mas apenas aparentemente. A simplicidade é muitas vezes a máscara de um trabalho de sacrifício e de rigor em torno da palavra. Um trabalho de Sísifo para que a palavra resulte mágica, logo, poética.
Artur F. Coimbra
mas é uma pérola, doutor?, perguntou doutor Claro ao doutor Caeiro
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O leitor escreve para que seja possível, Manuel Gusmão e Duarte Belo,
Assírio & Alvim
Há uma hora
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