«Homenagear um Poeta vivo é partilhar, contra o tempo irreversível, a herança que nos legará um dia, sem diálogo nem emendas ou correcções, é poder partilhar os seus gostos e desejos e fazer-lhe chegar a surpresa da amizade no gesto terno da palavra.
Uma multiplicidade de vozes, nos mais variados registos, acorreu a celebrar, de corpo inteiro, uma voz total, articulando a dedicatória expressa com os fulcros mais secretos da liberdade, na sua mais recôndita inocência.
Múltipla é a dádiva, reflexiva é a onda que amplia a sua poalha luminosa. Diversa e una é a entrega ao silêncio e à claridade. A solidão é o espaço inenarrável de onde jorram as bátegas que a poesia ilumina. Os diálogos do ser atravessam os dias, transcrevem a noite. A morte transfere para nós os seus ritos e a sua luz inaugura, num novo sopro, a vida e os seus ritmos festivos. Porque de poetas falamos, de seres que se esgueiram entre as aves para cantar a beleza e a miséria do mundo. Do caos onde emergem, criam a ordem que o seu olhar impõe. Nada negam, tudo absorvem. Os poetas unem-se particularmente às vozes que, um dia, foram seu tronco, seiva, húmus. Por vezes, escutam o coro diáfano dos deuses, transportam o sol, perscrutam o futuro, elevam o tempo, o espaço, alicerçando-se nas raízes antigas.
As águas imortais fundem-se neste espaço curto, longo, onde acedemos a Albano Martins e à respiração acesa das suas palavras, livres, transparentes, por entre as suas sombras opacas, abertas à fulguração do mundo.»
Há autores nos quais a pessoa e a obra se reflectem e cujo fulgor se transfigura no seu luminoso girassol de afectos. Assim é Albano Martins, poeta de excelência, ser humano de eleição, representante, raro nos nossos tempos, da arete (ἀρετή) antiga. Preferindo «Falar do trigo e não dizer/o joio», a ele se referiu, no entanto. Campo de urtigas é por vezes o nosso tempo, povoado de seres, perdidos nos moinhos de espelhos, privados de sombra, água, rododendros.
As características da sua poesia foram magistralmente analisadas por Fernando Guimarães, amigo de longa data e estudioso da sua poesia. Fernando de Castro Branco, outro brilhante estudioso da obra de Albano Martins, leu o seu poema, alavancado na sua talentosa exegese. Outras leituras se seguiram, numa sessão pontuada pelo pólen fecundante desta poética, definida por Eduardo Lourenço, no prefácio à obra, como «viagem no espaço da memória sacral da mais alta poesia».
Braga, 31 de Março de 2012
Maria do Sameiro Barroso
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